15 de dezembro de 2016

Resenha: Every Day, de David Levithan

© Elton Cardoso
Every Day (Todo Dia, na versão brasileira publicada pela Galera Record), é um livro escrito pelo norte americano David Levithan, que além deste livro que irei resenhar, ele também escreveu livros como Garoto encontra garoto, e Will e Will: um nome, um destino (cujo coautor é o John Green) todos esses livros publicados pela Galera Record, aqui no Brasil.

Quando descobri este livro há alguns anos, instantaneamente me interessei em lê-lo e logo o adicionei à minha lista de leituras do Skoob. E vendo um vídeo-resenha dele, em que a pessoa (não me lembro quem) optou por ler a versão original em inglês, por causa da proposta do livro – irei explicar mais a frente –, isso me fez ficar ainda mais interessado em lê-lo; porém, depois de anos, só pude ler agora.

A história narra a vida de uma personagem bem peculiar, que se chama A – sim, somente a letra “a” (a partir de agora, toda vez que o “a” vier sublinhado, estarei me referindo a personagem, tá?). E, diferente das outras pessoas, A é tipo uma “entidade”, não tem corpo próprio, assim, todo dia, elx acorda em um corpo diferente de uma pessoa que tem a mesma idade que elx, 16 anos. A pode não ter um corpo próprio, mas tem uma personalidade, vontade, desejos e sonhos próprios. A também não tem uma sexualidade definida, ou seja, não se vê nem como garoto, nem como garota: há dias que ele está se sentindo mais menino e há dias que ele se sente mais menina. Por esta característica da personagem, vou usar a neutralidade binária, ou seja, o “x” todas as vezes que tiver que usar algum artigo que poderia atribuir algum gênero específico à personagem, por esta ser, ao meu ver, gênero fluido. É aqui que entra o motivo de eu ter optado por ler o livro em inglês: o artigo definido que precede o nome próprio (the) é neutro, e quem tem um conhecimento bem básico da Língua Inglesa sabe que the significa o, a, os, as. Assim, The A (O/A A). Deu para entender? A personagem pode ser tanto ele ou ela, os dois ou nenhum, você, leitor, é quem escolhe isso.

Infelizmente, essa característica gênero fluido do artigo pessoal não acontece na Língua Portuguesa: todas as coisas em nossa língua materna são masculinas ou femininas, portanto, a personagem A, na versão brasileira da obra, foi masculinizada e ele é um garoto (na versão brasileira não é possível essa “opção” que o autor, David Levithan, propôs em seu livro).

Depois dessa introdução, vamos ao enredo da história. O livro começa com A no corpo de um garoto chamado Justin, que tem uma personalidade um tanto difícil, e como A sempre faz o possível de seguir à risca a vida da pessoa em que está habitando, elx se arruma para ir à escola, mas como parte da rotina do Justin, elx tem que parar para pegar a namorada dele, Rhiannon, que logo de cara chama muito a atenção de A – como elx habita corpos/vidas de outras pessoas há 16 anos, ele tem acesso às lembranças/memórias das pessoas que está habitando, assim como consegue interpretar a linguagem corporal delas.

A logo percebe que a Rihannon está em um relacionamento abusivo, e o Justin é o principal causador disso. Ele deixa sua namorada muito insegura, e entre outras coisas, ele não a trata bem. O dia vai passando e A decide mudar a rotina do Justin e convida a Rihannon para ir à praia. A garota estranha a reação do namorado – lembre-se: é A que está habitando o corpo do Justin –, mas vai mesmo assim, e A faz com que eles tivessem uma noite inesquecível. Entretanto, isso faz com que A terminasse o dia completamente apaixonado pela Rihannon. Mas como elx vai fazer para ficar com a Rihannon se elx passa apenas 24 horas no corpo de uma pessoa? É isso que A tenta descobrir todos os dias desde que conheceu a Rihannon.

Elx encontra várias oportunidades de reencontrar sua amada e conversar com ela nos mais variados corpos que vai habitando, porém, em um dia que estava habitando o corpo de um garoto, Nathan, e não consegue voltar para a cidade dele antes da meia-noite (horário em que a transição de corpo acontece), A tem que tomar uma decisão em relação a isso que vai interferir em toda a história do livro.

Outra característica muito interessante do livro: tem dias em que A acorda no corpo de um garoto, garota, hétero, gay, lésbica, bi, trans, branco, negro, latino, rico ou pobre. Aos olhos do narrador, nós vemos um pouco sobre um dia da vida de várias dessas pessoas e assim, acaba gerando uma reflexão muito interessante. Digamos que você teve a oportunidade de ler em inglês e optou por conceber A como sendo uma garota hétero, porém, A acorda no corpo de uma garota lésbica que tem namorada, e tem que beijá-la. E aí? Como fica esse dilema? Afinal, você tinha concebido que sua personagem seria hétero mas de repente ela está beijando outra garota na maior naturalidade. Isso faz dela hétero/lésbica/bi? Qual rótulo a ser escolhido? A resposta: NENHUM.

By the way, um dos momentos mais tocantes da história é quando A está no corpo de uma pessoa transexual, e o autor consegue narrar com tanta sensibilidade como é que uma pessoa trans se sente que é praticamente impossível não pôr a empatia em prática.

Essa é uma das propostas do livro: gerar esse tipo de reflexão.  E isso é muito bom, pois, sabemos que, felizmente, existem pessoas que, de fato, quando chegou nesse “dilema” não viu nenhum problema nisso, porque conseguem ver as demais como indivíduos e não como um rótulo. Fazer o leitor refletir sobre identidade de sexo e de gênero de uma maneira muito simples e direta, além de abordar temas sobre depressão, obesidade, baixa autoestima, opressão dos pais entre outros.

Além de nos fazer querer saber o que acontece com a vida das pessoas que A habita, pois elx habita algumas vidas bem interessantes e tem que deixá-las, muitas vezes, em momentos de clímax, o autor nos faz refletir sobre temas ainda não muito debatidos, mas que precisam ser debatidos, sem falar que David Levithan nos leva a um final surpreendente e emocionante que, para variar, me arrancou algumas lágrimas. Every Day, sem sobras de dúvidas, é um livro que recomendo a todos, além de bem escrito, o autor nos presenteia com uma bela reflexão sobre temas contemporâneos, ainda não muito abordados devido a todos os preconceitos em torno do tema, porém igualmente necessários e importantes o suficiente para serem debatidos e explanados em sua totalidade.




PS: Pesquisei sobre o gênero fluido e também tive ajuda de um amigo que me explicou com a máxima riqueza de detalhes que ele podia sobre o assunto, pois, no momento em que li este livro, acredito que a personagem principal pode ser considerada gênero fluido, porém, caso eu tenha usado este ou quaisquer outros termos/nomenclaturas/afins de maneira errônea, POR FAVOR, notifique-me, explique-me onde e porquê eu errei, adorarei aprender e, principalmente, fazer a possível correção neste post.



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